
A uva Merlot
Até 2005 a Merlot voava de forma tranquila, principalmente apoiada em duas das melhores safras da história de Bordeaux (2000 e 2005). Eis que surgiu um fenômeno chamado Sideways, que…
Até 2005 a Merlot voava de forma tranquila, principalmente apoiada em duas das melhores safras da história de Bordeaux (2000 e 2005). Eis que surgiu um fenômeno chamado Sideways, que não se trata de alguma praga, mas do filme que fez algum sucesso e que se ava em Napa Valley. Nele, seu personagem principal, Miles, crucificava a casta bordalesa, enquanto era só elogios com a borgonhesa Pinot Noir.
Nativa de Bordeaux, onde hoje é a variedade mais plantada, a Merlot alcança sua excelência na margem direita do estuário do Gironde, nas sub-regiões de Pomerol e Saint-Émilion, na mesma Bordeaux. Curiosa e contraditoriamente, o vinho mais precioso do personagem Miles, em Sideways, é o Cheval Blanc 1961, um dos châteaux mais cobiçados de St-Émilion, com a classificação máxima de Premier Grand Cru Classé A. O nome Merlot, aliás, deriva do nome de uma ave sa preta (Merle), que gosta de bicar e se alimentar dos bagos desta variedade.
Entre os 1990 e 2000 sua popularidade foi grande nos Estados Unidos, onde foi largamente plantada. O efeito Sideways, na realidade, mais ajudou a Pinot Noir, que viu as vendas crescerem em dois dígitos no mercado americano após 2005, que prejudicou a Merlot, que caiu cerca de 2% em vendas nos anos seguinte. Tampouco Pétrus, um clássico bordalês feito com 100% Merlot viu seu preço ou vendas, afetado. Hoje sua posição foi recuperada graças a sua feição versátil e democrática na taça, além de ser menos temperamental no vinhedo.
Agora, além do já mencionado Pétrus, Masseto, L’Apparita ou Montiano casos italianos de excelência de vinhos 100% Merlot; Le Pin e Le Gay em Pomerol; ou ainda todos os Cru Classé A de St-Émilion, onde a Merlot ocupa papel importante, este padrão não se alcança facilmente.
Apesar de ser um complemento natural da Cabernet Sauvignon, sua personalidade é bastante distinta. Com casca fina, a Merlot é bastante sensível ao stress hídrico e picos de calor, por isso se dá melhor em solos com um pouco de argila, que retém mais água. Em compensação seu ciclo de amadurecimento é mais curto que a da Cabernet, o que é um seguro para o produtor, pois se diminui os riscos de ser atacado por alguma intempérie climática ou o ataque de podridões.
Na taça, a Merlot costuma dar origem a vinhos consensuais, redondos e repletos de frutas negras; sem arestas de taninos ou acidez. Esta, aliás, é a grande crítica e justificativa para o tradicional corte com a Cabernet Sauvignon. Normalmente falta à Merlot maior estrutura na boca e alguns extremos de personalidade, que a Cabernet Sauvignon com seus taninos mais angulares e estrutura complementa com perfeição. Claro, que nos casos excepcionais (já citados), a Merlot alcança outra expressão, sempre carregada de fruta negra, com toques trufados e de violeta com estrutura de taninos compacta e concentrada. Característica que nos leva a outra figura que se tornou emblema dos grandes Merlot, o enólogo Michel Rolland.
O consultor e proprietário dos châteaux Le Gay e Le Bon Pasteur, em Pomerol, propagou os benefícios da micro-oxigenação durante a vinificação da Merlot nos concentrados exemplos de Bordeaux. Assim, seus vinhos ganhavam expressão mais aberta e intensa desde a juventude, amaciando também um pouco de seus taninos. O mercado e os críticos reconheceram os benefícios de seu estilo de vinificação e sua influência se propagou pelo mundo, incluindo, claro, muitos casos sul-americanos que chegam com facilidade ao nosso mercado.
Deixe um comentário
Estamos felizes por você ter escolhido deixar um comentário.